Fortuna Critica

Peixe estranho no Mundo de K

Leonardo Brasiliense


Alexandre Kovacs
www.mundodek.com/2022

Em seu mais recente romance, Leonardo Brasiliense lida com um protagonista que apresenta uma extrema dificuldade de comunicação. Após dois relacionamentos fracassados, Marvin encontrou em Analice a mulher ideal: "Bonita, bem-vestida, educada e paciente... Analice é perfeita. Ela é uma boneca de silicone." Fácil perceber que Marvin é um weird fish, "aquele tipo estranho que fica lá, no fundo escuro do oceano mais fundo, onde a luz não chega e de onde ele precisa fugir...", como na letra de Thom Yorke do Radiohead, uma banda que é uma verdadeira obsessão para o protagonista (e também para o resenhista, diga-se de passagem).

Ao narrar os detalhes da rotina de Marvin e Analice, sentados no sofá da sala ao final da noite, olhos fixos na TV, o autor nos mostra o absurdo de um relacionamento entre um homem e uma boneca de silicone e que, contudo, se mostra tão semelhante ao de outros casais de carne e osso, supostamente "normais", vivendo em um permanente estado de solidão compartilhada: "Embora os braços se encostem, o casal parece distante, sem intimidade, sem afeto. [...] Ambos têm o olhar vidrado na TV. Não fosse pelo movimento periódico de Marvin com a taça de vinho, a goles curtos, pareceriam os dois bonecos de silicone acomodados no sofá."

Ao longo da narrativa, sempre apoiada em uma prosa direta e precisa, incomodamente bem-humorada e que alterna passagens em primeira e terceira pessoa, ficamos conhecendo os detalhes dos relacionamentos pregressos de Marvin com a "primeira ex" e a "segunda ex", como ele costuma nomear as mulheres com as quais conviveu, por meio de seus diálogos, na verdade monólogos, com a bela e paciente Analice, que não tem outra alternativa a não ser escutar. Na verdade, Marvin nunca exerceu o controle da sua vida a partir de decisões próprias, sua introversão e isolamento social o fazem estar sempre a reboque das decisões de terceiros, sendo normalmente abandonado.

Leonardo Brasiliense utiliza de forma corajosa e criativa a situação bizarra do casal Marvin e Analice ? que não é de forma alguma inédita na atualidade e tende a se tornar ainda mais comum com o advento da Inteligência Artificial ? para falar de um assunto mais abrangente, a carência afetiva e a busca incessante pelo amor, principalmente quando conhecemos melhor as origens da insegurança emocional do personagem na infância. Um livro para refletir sobre essa nossa estranha época na qual, apesar de tantos aplicativos e dispositivos eletrônicos para estimular o convívio social, estamos cada vez mais solitários, isolados em nossos próprios mundos.

 

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